quarta-feira, 16 de março de 2011

Pic-nic

Mais de quinze minutos e eles não desviavam o olhar. Silêncio. Estavam apaixonados ao ponto que quererem entrar um dentro do outro. De se abraçarem tão forte até sentirem seus corações juntos, colados, pulsando no mesmo ritmo. Ele a levava até a porta de casa todos os dias, carregava seus livros, era extremamente tímido, envergonhado, coisas do primeiro amor. Ela custou a se render aos seus encantos, seguia os conselhos da mãe, era uma moça de família. Davam bitocas e beijinhos, pegavam nas mãos, mas nada que ousasse cruzar qualquer tipo de fronteira. As duas tradicionais famílias mineiras aplaudiam o desempenho do casal na condução daquele namoro cor-de-rosa. Eram sempre educados um com o outro, falavam baixo, estavam sempre limpos, não ficavam até tarde na rua para não pegarem sereno. Ele havia passado, quase mutilado, pelo crivo do temido pai da moça. Ela já trocava confidências com a mãe do rapaz. As duas famílias almoçavam juntas no domingo e já apostavam as fichas no futuro do casal. A mãe dele achava a mãe dela meio metida, assim como o pai dela achava o pai dele pouco viril. Mas todos mantinham a classe, a elegância e a união familiar necessária à felicidade. O tempo foi passando e, apesar da pouca intimidade, estavam novamente naquele parque, parados, apaixonados, olhando um para o outro há 15 minutos, sem dizer uma só palavra. Ela trouxera para o pic-nic  todos os quitutes que ele mais gostava. Ele se embriagava nos clichês juramentos de amor eterno, até que a morte os separasse, amém. Foi aí que, ali parado, com um sorriso besta estampado no rosto, ele sentiu a primeira contração. E logo a segunda, a terceira, a quarta, infinitas. Levantou-se. Seu intestino se contorcia em um movimento peristáltico tão frenético, que foi incapaz de completar a frase. “Eu acho que vou...”. Foi ali mesmo, sem o menor controle da situação ou pudor, que se ouviu a explosão. Roupas, toalhas, frutas, pães, iogurtes e sorvetes. O colo da menina ficou completamente empapuçado, assim como parte do vestido e até do cabelo. Estava tudo, todos, completamente cagados. Assustada, sentiu o cheiro da morte encobrir todo aquele conto de fadas. Levantou-se e saiu enojada. Nunca mais o procurou.

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