terça-feira, 1 de março de 2011

Caso de um escrivão

Aos doze, ela começou a se deitar com homens. Aos dezessete, experimentou mulheres. E aos vinte e três anos colecionava figurinhas e mais figurinhas de casos e experiências sexuais: homens mais velhos, mais novos, menores de idade, loiros, ruivos, morenos, gordos, magros, dotados, dotadas, senhoras, ursos, misses, loucas, prostitutas, drogados, travestis, transexuais. Não se sabe ao certo de onde veio a tara. Uns diziam que a avó era ninfomaníaca. Outros, que foi abusada por um vizinho na infância. O certo é que, desde pequena, já mostrava a que tinha vindo ao mundo. Certa vez na escola, quando tinha oito anos, a professora escreveu na lousa. “Eu queria ser uma borboleta para...”. “Beijar a sua buceta”, soltou em alto e bom tom. Expulsão. Aliás, o que não faltavam eram ocorrências e advertências nos colégios que passava. A tia, que criava a menina desde o acidente que matou os pais, já não sabia o que fazer. Com o tempo, fez uma novena, entregou para Deus e passou a não mais se preocupar com as peripécias da garota. Ela cresceu e não se tornou uma mulher bonita. Mas tinha fama de bem deitar na cama. Os rapazinhos da cidade, afoitos em se desvirginar, faziam a festa. Homens e mulheres casados também. O fato é que, não sendo uma cidade grande, a fama da mulher tomou proporções absurdas. Era pouco vista na rua, mas sua casa já havia sido apedrejada, recebia cartas anônimas, assinadas, com ameaças. As beatas já havia feito um abaixo assinado pedindo sua internação em um hospital psiquiátrico. Era uma mulher discreta. Não comentava com quem se deitava nem ao menos fazia escândalo. Mas era só alguém se aproximar de sua casa que se iniciava mais um falatório. Certo dia, quando constatou ter se deitado com mais da metade do município, resolveu dar no pé. Saiu caminhando, sem avisar ninguém, sem levar nada, em plena madrugada. Na estrada, pegou carona com um caminhoneiro que ia pro norte. É claro que saciou seus desejos em todas as paradas e estradas. Ganhava comida e bebida em troca. Mas nunca pedia nada. Eis que o caminhoneiro, admirado e impressionado com a potência de cinquenta mil cavalos que saia do seu ventre, a pediu em casamento durante a longa viagem. Ela negou. Foi abandonada na estrada, em um local que não fazia ideia. Não existem mais registros sobre a história da mulher, nem sobre seu paradeiro. Estas foram as últimas palavras escritas no inquérito sobre seu desaparecimento, antes de ser arquivado. Muitos anos depois, sua tia, já idosa, ligou para a delegacia. Ela havia se lembrado que a mulher, quando criança, sonhava em aprender tango. E a jogar cartas de tarô.

Nenhum comentário:

Postar um comentário