segunda-feira, 6 de agosto de 2012

sobre o amor

E o ciclo natural dos dias e das noites, do inverno e da primavera, mostraram que, em uma esquina qualquer, no primeiro crepúsculo de um ano bissexto, nas longas filas de espera ou sozinho na multidão, ele sempre volta. E borboletas aparecem no estômago. Prontas para voar.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

sobre as areias

Assim como olhávamos a lua mudar de fases como mudávamos de humor, lembro-me bem das manhãs em que, sentados à sacada do palácio, observávamos a areia do deserto mudar de forma todos os dias. Não sei se na calada da noite, enquanto dormíamos, não sei se durante o dia, grão a grão. Mas o fato é que aqueles montes e montes de areia estavam a cada dia em um lugar diferente. Ora perto do Nilo, ora bem ao fundo, a se perder no horizonte de nossas vidas. Nós, curiosos, aprendemos ali a medir o tempo. Que uma coisa que hoje está perto amanhã pode estar longe, que algo que toma uma forma pode se decrepitar, na alvorada, em moldes menores. Mas lembro-me bem que você, sempre sábia, comparou os montes de areia ao amor. E disse que, não importa a forma, a distância, nem o tamanho. Areia sempre será areia. Amor sempre será amor.

sobre as rugas


Oh vida, que tanta sujeira carrega debaixo de cada ruga, tens no tempo o teu mais fiel faxineiro. Vai-se com ele a tristeza, as alegrias, amores, inimigos, aquela meia que furou, a calça que encolheu, a conversa que ficou para amanhã, o desabafo não dito, o choro engolido, o prometido e não cumprido, beijos, cheiros, cuspidas e tapas na cara. Foi-se com ele o copo arremessado na parede, as cartas de amor perfumadas, o suor das núpcias, o berro do time campeão. Como as histórias daqueles que queriam eliminar as rugas para parar o tempo. Mal sabem que elas são muito mais profundas do que parecem. E não aparecem com os anos, cada uma já tem seu lugar definido desde quando se nasce. Só aumentam conforme as sujeiras que a vida vai acumulando. Mas o tempo não é por si tão tolo ao ponto de transformar a vida em uma página em branco a cada alvorada. Ele pode até levar os desafetos da vida, as topadas e tombos, mas deixa cicatrizes. Os jardins tem sua beleza retirada com o inverno, mas deixam sementes. E os mil e um amores da vida também se vão com o tempo, mas sempre sobra um suspiro.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

sobre as correntes

Depois daquelas noites, partiu sereno como a alvorada. Um adeus sem despedidas, pedaços de um coração que nem chegou a existir. No caminho, enquanto os pássaros ensaiavam os primeiros acordes da orquestra, a velha dor já se mostrava presente, passado e futuro. Ora sentia como se grandes pilões atravessassem seu peito, ora um súbito e frequente sufoco que durava alguns minutos. Durante sua vida, carregava a sensação de que ela sempre estivera ali, latente, adormecida, esperando o coração bater mais forte para se manisfestar. Desta vez, a dor se mesclava com uma estranha decepção. Mas de qualquer modo, aquela estava longe de ser a primeira vez que partiria com as mãos e o peito vazio. Por mais frequente, jamais se acostumara com a dor da rejeição. Se sentia acorrentado àquele sentimento. Antes fosse na água, onde as correntes marítimas, por mais traiçoeiras, sempre buscam e levam a novas vivências. No seu caso, elas estavam em terra firme, presas no tronco de uma cerejeira. Observava as delicadas flores sem conseguir tocá-las. Com o tempo, teve a convicção de que o amor era seu carcereiro. E a liberdade viria em uma batalha dentro de si mesmo. David contra Golias. O amor era a barreira e ele desistiu de amar. Longe das correntes, perambulava pela nova vida. Uma melancólica fotografia urbana, em preto e branco, de um dia chuvoso. Não menos dolorida.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Sobre os ventos

Deixe que o vento sopre para onde ele deve soprar. Sopre você por pensamento. Não se muda a direção dos astros nem dos sentimentos. Vento não se vê. Não há perguntas, não há motivos, não há respostas. Só há sopro: que chega, que afasta, que acalma, que dilacera. Vá você no meu lugar, se arriscar a ser dono da natureza. Eu aqui, sem esperar resultados, muitas vezes sinto o vento que não me é guardado. Meteorologistas falham, vento ligeiro não se prevê. Mas é assim, do nada, que ele chega. Ora como um soco, ora como um beijo.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Vida

Insistentes na vida incoerente, inconsequente. Vida dependente: ora atraente, ora conveniente. Pra uns vida é nascente. Pra outros, poente. Vida corrente. Vida-gente. Tem gente q pesa a vida, tem vida q pesa gente. Tem gente q não dá conta da vida, tem vida q não dá conta de gente. Tem vida, tem gente.