quinta-feira, 3 de março de 2011

Azar

O carro havia estragado em uma estrada de terra praticamente deserta. Ele, que não entendia nada de mecânica, xingou todos os palavrões possíveis, deu um bicudo no para-choque, esbravejou contra a mãe de alguém, gritou todas as variáveis escatológicas possíveis. Se emputeceu e chorou. Tentou falar com algum mecânico de uma cidadezinha mais próxima. Chegaria em três horas. Desligou o telefone e canalizou toda sua ira para o pobre coitado, que teria que conseguir a motocicleta de um primo para chegar ao local. Fumava há quase 20 anos e tudo o que ele queria naquele momento era dar boas baforadas para espairecer. Pegou o maço de Plaza e procurou o isqueiro. Nada de fogo. Saiu revirando todo o automóvel em busca de algo que desse uma faísca. Emendaria um cigarro no outro até que o socorro chegasse. Nada. Porta malas, porta luvas, tapetes, banco. Não havia isqueiro, nem fósforo, nem acendedor.  Foi aí que, depois de praticamente virar o carro de cabeça para baixo e chacoalhar, achou, num cantinho nunca antes visto, um palito de fósforo perfeito. Deu um sorriso, fez uma cara de “a sorte bateu à minha porta” e saiu do carro, vitorioso. O resto era simples. Durante o serviço militar, havia tomado noções básicas de sobrevivência e sabia acender fósforos em qualquer superfície áspera. Pegou uma pedra da estrada e, após a terceira tentativa, fiat lux! Já era noite e o céu estava estrelado, límpido. Pôs a boca no cigarro com vontade. Puxou. Foi aí que, antes mesmo de dar o primeiro trago, uma gota d’água voluptuosa e imponente, de qualquer chuva desavisada, despencou do céu e atingiu em cheio a ponta acessa do cigarro. Ele ainda tentou recuperar a brasa, sem sucesso. A sorte, que naquele dia estava vestida de acaso, deu uma risada traiçoeira e foi embora. A graça, que já estava colada ao homem, rapidamente se despediu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário