segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

sobre as correntes

Depois daquelas noites, partiu sereno como a alvorada. Um adeus sem despedidas, pedaços de um coração que nem chegou a existir. No caminho, enquanto os pássaros ensaiavam os primeiros acordes da orquestra, a velha dor já se mostrava presente, passado e futuro. Ora sentia como se grandes pilões atravessassem seu peito, ora um súbito e frequente sufoco que durava alguns minutos. Durante sua vida, carregava a sensação de que ela sempre estivera ali, latente, adormecida, esperando o coração bater mais forte para se manisfestar. Desta vez, a dor se mesclava com uma estranha decepção. Mas de qualquer modo, aquela estava longe de ser a primeira vez que partiria com as mãos e o peito vazio. Por mais frequente, jamais se acostumara com a dor da rejeição. Se sentia acorrentado àquele sentimento. Antes fosse na água, onde as correntes marítimas, por mais traiçoeiras, sempre buscam e levam a novas vivências. No seu caso, elas estavam em terra firme, presas no tronco de uma cerejeira. Observava as delicadas flores sem conseguir tocá-las. Com o tempo, teve a convicção de que o amor era seu carcereiro. E a liberdade viria em uma batalha dentro de si mesmo. David contra Golias. O amor era a barreira e ele desistiu de amar. Longe das correntes, perambulava pela nova vida. Uma melancólica fotografia urbana, em preto e branco, de um dia chuvoso. Não menos dolorida.