segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Fugaz

Apaixonados. E nunca tinham ouvido a voz um do outro, nunca tinham se tocado. As carícias se davam pelo bater dos dedos no teclado, pelo prazer solitário, mas compartilhado. Bate-papo, tema: variados: música: rock progressivo: sala 4. Ele loiro, alemão, metalúrgico, presidente do fã clube municipal de Emerson, Lake & Palmer, cara de viking. Morava na fria cidade de Ahrensburg, no norte da Alemanha. Ela, recém separada, funcionária pública, brasileira, viajada, sem filhos, ninfomaníaca. De fato, não gostava de rock. Preferia bossa nova. Mas admirava roqueiros durões, daqueles que cospem no chão e falam palavrões cabeludos. Seu ex-marido era o ex-padre que não largou a batina. Passava fins de semana em retiros espirituais, ajudava na igreja, organizava cursos, encontros de casais, excursões para Aparecida do Norte. Ela, pouco devota, alimentava os desejos por pecados mais ardentes. Tentou aplicar um pouco mais de selvageria na relação, sem sucesso. Agora estava separada e apaixonada. O alemão era tudo o que ela queria. A ensinou a beber e a fumar, conversavam bobagens, putarias, passavam madrugadas em clima de boemia, para trabalhar no outro dia com uma ressaca das mais absurdas. Ele deu a imperfeição que ela tinha perdido. Ela, fogo quente de quem tinha começado a viver. Os meses se passaram. O sexo era diário. Ela, insaciável, o matava de prazer. Nem em prostitutas ele tinha visto tamanha sede. A loucura e o frenesi eram tantos que decidiram que se encontrariam pessoalmente. As férias dele estavam chegando. Passaria um mês no Brasil. Havia guardado um dinheiro que usaria para trocar de carro. Gastou tudo na passagem. Embarcou com sua melhor roupa com destino a Guarulhos. Ela o esperava na sala de desembarque. Vôo atrasado. Ela roía as unhas. Ele com gastrite nervosa. Ela impaciente. Ele pediu um vinho. Enquanto esperava, um homem alto, moreno, pinta de galã e braços torneados começou a puxar conversa com ela. 13 dias depois, uma ambulância chegou ao aeroporto. Na maca, o alemão dominado com camisa de força, se rebatendo entre comissários, enfermeiros e passageiros. O diagnóstico: surto psicótico. Ele delirava, repetindo “wird es ankommen”, que um dos passageiros disse significar “ela vai chegar”. Enquanto isso, não muito longe dali, entre tapas, mordidas e muita lambança, ela saciava todo o seu apetite com o moreno galã. E nem se lembrava mais o que tinha ido fazer naquele aeroporto.

2 comentários:

  1. Engana-se quem entra numa sala de bate-papo para almejar beijinhos na testa.
    Se receber beijinho no cantinho da boca pode se dar por muitíssimo satisfeito, digamos que quase ganhar na Mega-Sena.
    Mesmo que não parece, os riscos são visíveis e completamente aparentes, mas a vontade é tao grande que passa desapercebidos.
    O próprio título do texto já diz: “Fugaz”. Da mesma forma que essa paixao aparece, ela tb desaparece, de forma rapida, passageira. Compreensível ou imcompreensível.
    A busca incontrolável, seja do que for, quando é nessa medida, ela tb desacelera da mesma forma. Me parece que o Loiro Alemão estava com uma intençao divergente à da Funcionária Pública, tanto que deu no que deu. A moça começou a “viver” coisas que não havia vivido antes, mudou seus habitos para saciar uma vontade louca e ardente.
    Mas, ela, não estava apaixonada pelo Alemão, ela apaixonaria por qlq um que aparecesse naquela sala de “rock progressivo” . Ela entrou com esse intuito. O “felizardo” da história, nesse caso, é o de menos e o que menos importava. O que antes era compartilhado, naquele jogo de seduçao e vontade de sair dos teclados e tornar-se realidade, tornou-se um prazer individual, de novo. Digo de novo, pq no início era individual, depois deixou de ser, quando compartilhada a dois.
    Ela conseguiu o que queria. Matou sua vontade, sua sede, sua fome e principalmente o seu cio atrasado. Os homens nao têm noçao do que é uma mulher com cio atrasado. Logo, o outro ficou na maca. Como sempre acontece!

    ResponderExcluir