terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Desapego

Conta-se que um velho e adoentado rei da Pérsia, mais pra lá do que pra cá, não fazia outra coisa a não ser se preocupar com o futuro de seu reino. Isso porque, em mais de 50 anos de prática, ele não tinha feito sequer um filho varão, único que poderia substituí-lo após sua morte. Já somavam-se mais de 67 filhas, cada uma de uma mulher diferente: escravas, servas, concubinas, rainhas, esposas, viajantes e transeuntes. Porém, certo dia, estava o rei sentado em seu trono, à beira da desistência, já vendo a possibilidade de entregar seu reino a algum esposo de suas filhas ou às tropas inimigas, quando um mago estrangeiro chegou ao palácio e disse ao vizir. “Trago boas novas. Diga ao rei que encontrei a mulher perfeita, que lhe trará um herdeiro ao trono”. Ao saber da notícia, o rei, curioso, deixou que entrasse tal mago, que lhe disse. “Ó venturoso rei, conheço uma mulher que lhe trará um filho homem. Trata-se de uma prostituta de Bagdá, que dizem nunca parir uma filha mulher. Já está em seu décimo segundo filho, todos homens”. O rei ofereceu mil dinares para o velho mago, que trouxe ao palácio a famosa prostituta. A mulher, que parecia ter sido retirada da rua, exalava podridão e indecência. O rei teve certo nojo, respirou com calma, juntou todo tesão que ainda lhe faltava e consumiu a meretriz. Nove meses depois, vivendo no palácio do rei, eis que a mulher dá a luz ao herdeiro do trono. Sete dias de festa marcaram a chegada do príncipe. O menino, de uma beleza de envergonhar até a lua, nem parecia ter saído daquela pobre mulher. A pele alva, cabelos castanhos, os olhos claros, grandes e bem abertos permaneceram ao longo dos anos, quando os traços de um adulto já haviam moldado o jovem menino. Era um rapaz esbelto, inteligente e educado, falante de vários idiomas. Discorria longas e maravilhosas conclusões sobre as artes e cantava maravilhosamente bem. Qualquer jovem princesa aceitaria sua mão em casamento. O rei, já idoso, no fim da vida, poderia morrer feliz, já que em breve teu filho lhe daria netos e consolidaria a família frente ao reino. Certo dia, porém, durante uma festa regada a vinhos e música, o jovem príncipe desapareceu do palácio. A princípio, o rei achou que seu filho havia se engraçado com alguma nobre e que logo voltaria com o anúncio do casamento. Com o passar dos dias, a esperança do filho voltar para a casa se acabava aos poucos no coração do rei. Ele mobilizou todas as tropas do reino, deu esmolas aos mendigos e ofereceu tesouros de recompensa a quem trouxesse seu único filho de volta. Sem sucesso nas buscas, meses depois o rei amanheceu morto. Reinos vizinhos, deslumbrados com a possibilidade de abocanhar reino tão rico, invadiram o palácio, mataram todas as 67 filhas do rei e ali iniciaram um verdadeiro massacre pela disputa do reino. Bem longe dali, em uma praia do Mediterrâneo, o príncipe fugitivo nem sabia do que havia sucedido em sua antiga morada. Com o montante que acumulara durante sua jovem vida, havia construído uma casa simples, de frente para o mar. Lá, pela eternidade, viveu e se lambuzou com quem realmente era digno de todo o seu amor: o jovem escravo, também fugitivo, que todos os dias lhe dava banho no palácio.

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