quarta-feira, 18 de julho de 2012

sobre as areias

Assim como olhávamos a lua mudar de fases como mudávamos de humor, lembro-me bem das manhãs em que, sentados à sacada do palácio, observávamos a areia do deserto mudar de forma todos os dias. Não sei se na calada da noite, enquanto dormíamos, não sei se durante o dia, grão a grão. Mas o fato é que aqueles montes e montes de areia estavam a cada dia em um lugar diferente. Ora perto do Nilo, ora bem ao fundo, a se perder no horizonte de nossas vidas. Nós, curiosos, aprendemos ali a medir o tempo. Que uma coisa que hoje está perto amanhã pode estar longe, que algo que toma uma forma pode se decrepitar, na alvorada, em moldes menores. Mas lembro-me bem que você, sempre sábia, comparou os montes de areia ao amor. E disse que, não importa a forma, a distância, nem o tamanho. Areia sempre será areia. Amor sempre será amor.

sobre as rugas


Oh vida, que tanta sujeira carrega debaixo de cada ruga, tens no tempo o teu mais fiel faxineiro. Vai-se com ele a tristeza, as alegrias, amores, inimigos, aquela meia que furou, a calça que encolheu, a conversa que ficou para amanhã, o desabafo não dito, o choro engolido, o prometido e não cumprido, beijos, cheiros, cuspidas e tapas na cara. Foi-se com ele o copo arremessado na parede, as cartas de amor perfumadas, o suor das núpcias, o berro do time campeão. Como as histórias daqueles que queriam eliminar as rugas para parar o tempo. Mal sabem que elas são muito mais profundas do que parecem. E não aparecem com os anos, cada uma já tem seu lugar definido desde quando se nasce. Só aumentam conforme as sujeiras que a vida vai acumulando. Mas o tempo não é por si tão tolo ao ponto de transformar a vida em uma página em branco a cada alvorada. Ele pode até levar os desafetos da vida, as topadas e tombos, mas deixa cicatrizes. Os jardins tem sua beleza retirada com o inverno, mas deixam sementes. E os mil e um amores da vida também se vão com o tempo, mas sempre sobra um suspiro.